Revista colombiana expõe ‘laços’ das Farc no Brasil
A partir do conteúdo dessas mensagens eletrônicas, a revista construiu o que batizou de “O dossiê brasileiro.”
Quem lê a introdução fica de cabelos hirtos. Começa assim:
“O computador de Raúl Reyes revela que os vínculos das Farc com altos funcionários do governo do Brasil, entre eles cinco ministros, chegaram a níveis escandalosos.”
Avançando-se na leitura, percebe-se que a reportagem, que ecoou nas agências internacionais, não chega a justificar o estrépito da introdução.
As mensagens pescadas na máquina de Reyes cobrem um período de nove anos –de fevereiro de 1999 a fevereiro de 2008.
Mencionam nove personagens ligados ao governo Lula e ao PT. Eis os nomes:
1. José Dirceu, ex-chefe da Casa Civil;
2. Celso Amorín, ministro das Relações Exteriores;
3. Marco Aurélio García, assessor internacional da Presidência;
4. Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula;
5. Paulo Vanucci, secretário de Direitos Humanos da Presidência;
6. Perly Cipriano, subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos;
7. Selvino Heck, assessor especial da Presidência;
8. Roberto Amaral, ex-ministro da Ciência e Tecnologia e presidente do PSB;
9. Erika Kokay, deputada distrital do PT no DF;
10. Maria José Maninha, deputada federal do PT do DF.
Não há mensagens diretas dos personagens a Reyes ou a outros líderes das Farc. O que há são citações de seus nomes nas trocas de e-mails.
“O personagem central dos correios” eletrônicos, conta a revista Cambio, é Francisco Antonio Cadena Collazos. Mais conhecido como padre Olivério Medina e “Cura Camilo.”
É uma espécie de das Farc no Brasil. Em 2005, quando já colecionava oito anos de residência no país, foi preso em São Paulo.
A Colômbia pediu sua extradição. Mas, casado com uma brasileira, “Cura Camilo” obteve status de refugiado político. E o STF negou o pedido para que fosse extraditado.
Os e-mails enviados por “Cura Camilo” revelam, em verdade, os esforços que empreendeu para aproximar-se do governo de Lula, empossado em 2003.
Num deles, datado de 25 de setembro, “Cura Camilo” conta a Raúl Reyes que Lula telefonara para Paulo Vanucci, o secretário de direitos Humanos da Presidência.
No telefonema, o presidente teria informado a Vanucci que ligara para o advogado Ulisses Riedel, “felicitando-o pelo êxito jurídico em sua brilhante defesa a favor do meu refúgio [no Brasil]”.
Riedel defendia “Cura Camilo” no processo de extradição. É certo que um pedaço do PT, simpatizante das Farc, defendia vivamente a permanência dele no Brasil.
Difícil saber, porém, se o telefonema de Lula ocorreu de fato ou se é fruto da criação de um porta-voz da guerrilha que tenta exibir aos chefões das Farc um presstígio que talvez não tivesse.
Em outro e-mail, “Cura Camilo” escreve:
“É possível que me visite um assessor especial de Lula chamado Selvino Hech, que, junto com Gilberto Carvalho, foi outro que nos ajudou bastante.”
Mais adiante, em nova correspondência eletrônica, anota:
“Estive conversando com a deputada federal Maria José Maninha [PT-DF]. Combinamos que vai me abrir caminho rumo ao presidente via Marco Aurelio García.”
O chanceler Celso Amorim foi ao dossiê da revista colombiana por conta de um e-mail que faz menção a encontro que não se sabe se ocorreu. É de 22 de fevereiro de 2004.
Foi escrito por personagem identificado como José Luis. Anota: “Por intermédio do lendário líder do PT Plínio Arruda Sampaio [hoje no PSOL], chegamos a Celso Amorim…”
“…Plínio mandou nos dizer […] que o ministro está disposto a receber-nos. Que tão logo tenha um espaço em sua agenda nos recebe em Brasília.”
Noutro e-mail enviado a Raúl Reyes em 4 de junho de 2005, o mesmo “José Luis” cita José Dirceu, à época ainda na chefia da Casa Civil.
“Chegou um jovem de uns 30 anos e se apresentou como Breno Altman (dirigente do PT), me disse que vinha da parte do ministro da presidência José Dirceu…”
Disse “que, por motivos de segurança, eles haviam combinado que as relações não passariam pela secretaria de Relações Internacionais, se dariam diretamente, através do ministro, com a representação de Breno.”
Diz a revista que os tentáculos das Farc no Brasil alastraram-se para o Ministério Público e até para o Judiciário. Há aqui, um toque de exagero.
O pretenso “elo” com o Ministério Público resulta de e-mail enviado por “Cura Camilo” a Raúl Reyes em 22 de agosto de 2004.
No texto, um “Cura Camilo” ainda inquieto com a possibilidade de ser extraditado para a Colômbia relata encontro que mantivera com o procurador da República Luiz Francisco de Souza.
Personagem conhecido. Algo folclórico. Simpático ao PT, infernizou a gestão FHC com um sem-número de ações. “Cura Camilo” contou:
O Luiz Francisco “me deu o seguinte conselho: andar com uma máquina fotográfica e, se possível, com uma filmadora, para, em caso de voltar a ser parado por um agente de informação, fotografá-lo e gravá-lo, tendo o cuidado de não permitir que o agente agarre a máquina ou a filmadora. Que, em relação com o sucedido, façamos uma denúncia dirigida a ele, como procurador, para fazê-la chefe da PF e à Abin.”
Veja também a reportagem: Farc estão infiltradas na alta esfera do Brasil, segundo revista colombiana (Yahoo Notícias)